FICÇÃO: O DONO DO MELHOR CINEMA DO MUNDO!
Era só a tarde cair, e o cinema aparecia na rua.
Sim, cinema, que não era propriamente uma sala de projeção, mas algo ainda mais especial. Bastava o senhorzinho ajeitar o projetor, passar o fio pela grade e pendurar o pano no portão.
Tela improvisada, e o espetáculo estava pronto. E, em volta dela, um verdadeiro ritual: crianças largavam celular, televisão, bola, bicicleta e saiam correndo para o tal “cinema” do sêo Geraldo.
Ah, o senhorzinho era um prodígio de simplicidade. Magrinho, usava camisa de botão e manga curta e óculos de lente grossa, nem tinha aquele ar de quem entende de tecnologia; mas o homem possuía uma intuição certeira para o que importava. E o que importava, na rua, era a diversão dos pequenos.
Uma vez por semana, invariavelmente, ele pendurava o pano branco, ajustava a imagem do celular no projetor e… pronto. Como mágica, a calçada se enchia de sorrisos e de olhares brilhando. E tinha pipoca, claro. Sempre feita na hora, estourando na panela velha e despejada com a maior generosidade em sacos de papel. Cada um pegava seu saquinho, sentava-se no chão como se fosse um dos sofás luxuosos dos cinemas caros. E quem precisava de luxo, quando se tinha a companhia da turma e um filme fresquinho para assistir?
Outro dia desses, por exemplo, a atração era o Homem-Aranha. Os pequenos, de olhos arregalados, nem piscavam enquanto o herói saltava entre os prédios, enfrentava vilões e salvava mocinhos. Alguns sussurravam, outros apontavam o dedo para a tela improvisada, e o som do celular amplificado na caixinha de som velha de sêo Geraldo dava conta do recado. Era sempre assim.
Sêo Geraldo não tinha patrocínio nem ajuda de ninguém; fazia tudo com o que sobrava da aposentadoria. Nem precisava, dizia ele, com seu sorriso tímido e discreto, pois o verdadeiro pagamento estava ali: nas risadas soltas, no brilho dos olhos, no abraço apressado de uma criança que agradecia e voltava correndo para não perder uma cena.
E, como se o cinema não bastasse, às vezes, num sábado ou domingo, ele aparecia de surpresa. Café da manhã ou lanche da tarde ali na rua, para quem quisesse. Café quente, suco feito em casa, pão com manteiga, às vezes um bolo. Os pequenos se alvoroçavam, e até os adultos, que fingiam estar passando por ali por acaso, não resistiam ao convite de sêo Geraldo. Era o encontro da rua, a mesa improvisada sob o céu aberto, o cheiro de café misturado com o de bolo assado.
Alguns dizem que ele é um tipo de herói secreto do bairro, mas sêo Geraldo balança a cabeça e diz que isso é coisa da cabeça dos outros. Herói é o Homem-Aranha, ele só faz o que gosta, responde, com um sorriso tranquilo. No fundo, porém, todos sabem que ele faz mais do que isso. Ele transforma o ordinário em extraordinário, com seu projetor, seu pano de tela, sua pipoca, e as horas que doa. Cada sessão é um ato de resistência contra a indiferença, um empurrãozinho no imaginário da meninada, um lembrete de que cultura e generosidade não precisam de patrocínio para existir.
Sêo Geraldo talvez nunca receba apoio do governo ou medalha da cidade, mas no coração do bairro, ele já é mais que herói. É cinema, cultura, risada, infância – é o senhorzinho que faz a rua ganhar vida.