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102 ANOS DA FILARMÔNICA LIRA GUARANY: A MÚSICA QUE RESSOA COM O TEMPO

Era 15 de novembro de 1922. O país celebrava o centenário da Independência, mas em Cruz das Almas, outra chama se acendia. Não era política, nem revolução. Era música!

Era o início da noite e na casa do senhor Cizino de Oliveira Cintra, na Rua da Vitória, reuniu-se um grupo de homens e seus sonhos. Ali, entre conversas e olhares esperançosos, nasceu a Filarmônica Lira Guarany.

Imaginemos uma sala iluminada por lampiões, o cheiro de querosene misturado, talvez, ao de charutos, hábito comum entre os distintos numa noite quente. Homens com seus ternos, chapéus em mãos, olhavam para Cizino como quem vê um visionário. Ele, com sua postura firme e voz convicta, explicou os motivos do encontro. E não eram poucos. A cidade já tinha uma filarmônica, é verdade, mas Cizino sonhava em criar algo que fosse mais do que música – uma tradição, uma identidade.

Ao nomearem Joaquim Pereira Leite presidente da assembleia, deram o primeiro passo para o que seria uma noite histórica. Joaquim, com voz firme e palavras calculadas, propôs que Nossa Senhora da Conceição fosse proclamada padroeira da nova filarmônica. Todos concordaram, como se a escolha fosse óbvia. Afinal, as notas que ali brotariam precisavam de proteção divina.

Mas o momento mais esperado foi a escolha do nome. Vários foram sugeridos – cada um defendendo sua ideia com entusiasmo –, mas foi a palavra de Cizino que silenciou a sala. “Meus senhores,” ele começou, “já que o nosso grupo musical vem atuando como Grupo Guarany, sugiro que a nossa filarmônica se chame Sociedade Filarmônica Lira Guarany.”

Aquela declaração foi seguida por aplausos de pé, e eu posso imaginar o brilho nos olhos de Cizino enquanto via sua visão ganhar corpo. Não era apenas um nome; era um símbolo de unidade e ambição. Era um sonho compartilhado.

Naquela noite, também foi formada a primeira diretoria, com Cizino como presidente e regente, cercado por companheiros dedicados. Ele agradeceu a escolha com humildade, mas deixou claro: “Precisamos de muito trabalho. A nova filarmônica não pode perecer.” E assim, o compromisso foi firmado entre apertos de mãos e assinaturas na ata.

Hoje, cem e dois anos depois, a Lira Guarany ainda ecoa sua música, como um testemunho de que o esforço daqueles homens não foi em vão. Cada apresentação carrega o espírito da noite de sua fundação, as vozes e os sonhos que tomaram corpo na sala de Cizino.

Quando a Filarmônica Lira Guarany apresenta-se hoje, não se vê apenas instrumentos e músicos. Vê-se história, vê-se continuidade. Cada nota que ressoa é como uma conversa entre o passado e o presente, um lembrete de que a música pode ser mais do que som – pode ser alma, identidade e um ponto de união. 

(Importante registrarmos aqui que, naquele 15 de novembro de 1922, assinaram a referida ata de fundação os senhores: Serafim dos Santos, Cizino de Oliveira Cintra, Joaquim Pereira Leite, Antônio Oliveira Cruz, Antônio das Neves, João F. de Almeida, Egidio Queiroz, Gregorio Caldas, Antonio B. Oliveira, Maximiano Santos, Serafim Barboza, Antônio Conceição e Otacillio Queiroz.)

Edisandro Barbosa Bingre

Edisandro Barbosa Bingre é professor, escritor, cerimonialista e pesquisador memorialista de Cruz das Almas. Ele é membro da Academia Cruzalmense de Letras e destaca-se por seu trabalho com o "Almanaque Cruzalmense", onde documenta e preserva a história e a memória cultural da cidade. Bingre é reconhecido por suas contribuições literárias e históricas, trazendo à tona fatos importantes e curiosidades sobre a região, além de ser uma figura ativa na comunidade intelectual de Cruz das Almas​. No ano de 2020 recebeu o Título de Cidadão Cruzalmense outorgado pela Câmara de Vereadores de Cruz das Almas.

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