D.FULÔ, SÍMBOLO DA CULTURA CRIOULA
Florinda Anna do Nascimento, conhecida como Fulô, era criada da Fazenda Bom Sucesso em Cruz das Almas, de propriedade do Coronel Joaquim Inácio Ribeiro dos Santos e D. Ana Maria do Nascimento.
D. Fulô era crioula, usava indumentária típica das mulheres de sua condição, era considerada uma “escrava de dentro”, aquela que frequentava a casa grande, mas depois passou a ser “escrava de ganho” e conseguiu comprar sua própria alforria. Não é conhecido o ano de seu nascimento, sabe-se, entretanto, que fez o parto que trouxe ao mundo o Dr. Ribeiro dos Santos, nascido em 1851. Faleceu em 11 de maio de 1931. Residia, então, em companhia do casal Isaura Ribeiro dos Santos Diniz Borges e Dr. Otaviano Diniz Borges.
A fotografia original pertence ao acervo da Fundação Pierre Verger.
Em 2022, a atriz Zezé Mota esteve em Salvador, para um projeto fotográfico, em que interpretou Florinda Anna ou Dona Fulô trajando a típica indumentária crioula.
A história de D. Fulô daria um roteiro de novela de época. Veja:
O ano era 1851. Florinda Anna do Nascimento ou Dona Fulô se levantou com o canto do galo. Colocou seus panos, preparou o café do escravizador Joaquim Inácio Ribeiro dos Santos e da sua esposa Ana Maria do Nascimento. Quando estava com o bolo de fubá no fogão a lenha, ouviu os gritos da senhora. Saiu da cozinha e foi ao quarto. Joaquim Inácio Ribeiro dos Santos estava agitado na porta . Ele gritou ao vê-la: – Depressa Fulô! Faça alguma coisa! O bebê! Dona Fulô saiu para a cozinha. Colocou água para ferver. Pegou toalhas. Pegou a faca. Seria mais um parto realizado por ela. Uma hora depois, a fazenda Bom Sucesso, localizada na cidade de Cruz das Almas, recebia o filho dos senhores. O bebê veio a ser chamado de Ribeiro dos Santos, ou Ribeirinho, como ficou mais conhecido. Com o bebê, o dia-a-dia de Dona Fulô ganhou mais uma tarefa. Entre o fogão à lenha, os gritos dos escravizadores, as surras quando o café não estava “bom” e a hora de alimentar os bichos, Dona Fulô precisava cuidar de Ribeirinho, o xodó da casa grande. Por vezes, Dona Fulô saía e se encontrava com outras mulheres, algumas escravizadas como ela, outras que, com muitíssimo custo, já haviam comprado sua liberdade. Mulheres que encontrava também quando estava cumprindo seus afazeres – indo ao centro da cidade comprar alguma coisa que na fazenda não havia, vender algo que foi feito por ela ou pela senhora da fazenda. Nessas ocasiões, vestia-se com saias e blusas simples e usava o turbante. Em dias especiais, a roupa era bem cuidada, parecida também com a de suas amigas. Uma saia de renda, às vezes azul, às vezes preta. Uma blusa bordada, que era sempre branca. Seu turbante amarrado com todo o cuidado. Algumas pulseiras e um ou dois colares. E, para finalizar, não podia faltar o pano-da-costa, feito de tiras de tecidos diferentes e delicadamente costurados. O pano-da-costa podia estar sobre o ombro, bem bonito, cruzando seu corpo. Poderia estar amarrado sobre seu peito. Poderia ser levado no braço. Isso dependia do motivo da reunião e do que ela e suas amigas iriam fazer. Em alguns dias, junto às suas irmãs de coração, fazia suas orações aos deuses e deusas que as acompanharam da África até o Brasil. Quando o filho da família cresceu, Dona Fulô se tornou o que os senhores chamavam de “preta velha e sem valor”, e, nessa época, ela fugiu! Com ela foi o pano-da-costa que mais gostava. Passou, então, a vestir-se com o pano colorido, costurado com as lembranças do lugar da África onde viveram seus antepassados. Tempos depois foi capturada. Como os senhores antigos cansaram de sua “rebeldia”, depois de uma surra eles obrigaram Dona Fulô a trabalhar na casa de outros parentes. Eram a sinhá Isaura Ribeiro dos Santos Diniz e o sinhô Otaviano Diniz Borges. Lá ela ficou. Mas, ela não se conformou. Fugiu, vestiu-se com os panos-da-Costa, apanhou, vestiu-se novamente com o pano, fugiu de novo, foi capturada, mas resistiu e sobreviveu. Em 1888, com o fim da escravidão, tornou-se finalmente livre. E, em liberdade, sua vida prosseguiu até 11 de maio de 1931, quando faleceu. As roupas de Dona Fulô foram bem guardadas por ela durante anos, e de tão bem cuidadas fazem parte, hoje em dia, do acervo do Museu do Traje e do Têxtil, no Instituto Feminino da Bahia.
Fonte: MONTEIRO, Juliana ; FERREIRA, Luzia Gomes; e FREITAS, Joseania Miranda. As roupas de crioula no século XIX, e o traje de beca na contemporaneidade: uma análise museológica. Cadernos do CEOM – Ano 19, n. 24 – Cultura Material.
(Este material é fruto de um dedicado trabalho de pesquisa. Caso queira utilizá-lo, pedimos apenas a gentileza de citar-nos como: www.almanaquecruzalmense.com.br )