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AS MUDANÇAS DA FESTA DA PADROEIRA

Antigamente, a festa da Padroeira Nossa Senhora do Bom Sucesso em Cruz das Almas era um verdadeiro desfile de tradições e costumes que, hoje, encontram-se guardados nas gavetas da memória afetiva de quem os viveu. Celebrada na primeira semana de dezembro, a festa misturava o sagrado e o profano de forma singular, criando uma atmosfera que encantava a todos.

A parte sacra da festa, dedicada à devoção à Nossa Senhora, pouco mudou ao longo dos anos. As novenas, as procissões e as missas sempre foram marcadas pela fé inabalável da comunidade. Porém, a parte profana, aquela que fazia a alegria do povo após os ritos religiosos, sofreu transformações que modificaram profundamente a essência da festa.

Nos anos de outrora, conta-nos o memorialista Dr. Leandro Costa Pinto de Araújo, em seu livro Narrativas Que a Memória Conservou,  que as quermesses eram o ponto alto das comemorações (e ele deve estar se referindo às décadas de 40 e 50). Montadas ao redor da igreja matriz, as quermesses traziam consigo um colorido especial e um aroma que impregnava o ar, vindo dos tabuleiros das doceiras que, com mãos hábeis e um talento quase artístico, preparavam doces variados. Chica Pavão, Joaninha Cachimbo, Maria Sapé, Justiniana e Olegária eram os nomes que todos conheciam e respeitavam. Seus doces, iluminados pelos candeeiros a querosene, eram um convite irresistível para qualquer um que passasse.

Os leilões, outra tradição marcante, reuniam a comunidade em torno de prendas ofertadas com generosidade. A banca de jogos era uma verdadeira diversão para os adultos e crianças, e ninguém saía de lá sem tentar a sorte. Mas o que realmente cativava o coração do povo era o “Bumba Meu Boi” de André Derrapante e a “Burrinha” de Zé de Bibiano. Essas manifestações culturais, com suas danças e encenações eram, como costuma dizer a escritora Sarah Carneiro, “o reflexo de um Brasil profundo”, repleto de simbolismos e histórias.

E havia ainda os fogos de artifício, fabricados pelos sucessores de Totônio Fogueteiro, que eram aguardados com ansiedade. A queima de fogos era o momento de culminância, em que o céu de Cruz das Almas se iluminava em reverência à Mãe do Bom Sucesso.

Entretanto, o tempo, em sua marcha implacável, trouxe mudanças. As quermesses deram lugar a atrações mais modernas, e muitas das antigas tradições se perderam. Até mesmo a data da festa foi alterada. Com a criação da Diocese de Cruz das Almas, tornou-se necessário modificar a celebração para o dia 15 de setembro, para harmonizar com as festividades das paróquias vizinhas, como Sapeaçu, Governador Mangabeira e Cachoeira, que também homenageiam Nossa Senhora no dia 08 de dezembro.

A sanção da Lei Municipal nº 2.109/2010 formalizou a mudança, e o feriado foi transferido. Desde então, a festa acontece em setembro, com todas as suas nuances renovadas, mas com a essência e a devoção preservadas.

Assim, enquanto os tempos mudam e as tradições se adaptam, as lembranças daqueles dias em que Cruz das Almas vivia o apogeu da sua festa, emoldurada pelas luzes dos candeeiros e pelos sabores dos doces das antigas quituteiras, permanecem vivas. São memórias que resistem ao tempo e que nos permitem, ainda hoje, sentir o cheiro doce e ouvir o som dos fogos de artifício, mesmo que apenas em nossas lembranças.

Edisandro Barbosa Bingre

Edisandro Barbosa Bingre é professor, escritor, cerimonialista e pesquisador memorialista de Cruz das Almas. Ele é membro da Academia Cruzalmense de Letras e destaca-se por seu trabalho com o "Almanaque Cruzalmense", onde documenta e preserva a história e a memória cultural da cidade. Bingre é reconhecido por suas contribuições literárias e históricas, trazendo à tona fatos importantes e curiosidades sobre a região, além de ser uma figura ativa na comunidade intelectual de Cruz das Almas​. No ano de 2020 recebeu o Título de Cidadão Cruzalmense outorgado pela Câmara de Vereadores de Cruz das Almas.

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