UM PITORESCO PASSEIO À FREGUESIA DA CRUZ DAS ALMAS
Na manhã de 3 de dezembro de 1888, o sol despontava preguiçoso com seu brilho suave sobre o Recôncavo. Nas esquinas e cafés das suas cidades, o burburinho era um só: a edição do jornal cachoeirano, “A ORDEM”, trazia um comunicado especial que fez vibrar o coração de todos. Assinada pela diretoria da “PHILHARMONICA EUTERPE COMMERCIAL MURITIBANOS”, a notícia anunciava um passeio de recreio à pitoresca freguesia de Cruz das Almas, marcado para o dia 8, data da festa em homenagem à santa padroeira da localidade.
O entusiasmo tomou conta das ruas, onde os paralelepípedos pareciam brilhar ainda mais sob o fervor das conversas animadas. O passeio, planejado com meticulosa atenção, seria feito de trem, partindo da estação de São Félix, passando pela Vila de Muritiba até a estação de Pombal em Cruz das Almas. Lá, os passeiantes seriam recebidos pela local Philarmônica 2 de Julho, e em seguida trasladados para a freguesia em carros e animais.
Carros?! Ora, esses não poderiam ser mais que os tradicionais carros de bois, com suas melodias rangentes, uma vez que o primeiro veículo motorizado só chegaria ao Brasil três anos depois.
No dia 8 de dezembro, o alvoroço era palpável. Homens vestiam seus melhores ternos de linho, mulheres envergavam vestidos rendados, e as crianças, com olhos brilhantes de curiosidade, corriam de um lado para o outro, aumentando a euforia geral. Na estação de São Félix, o trem aguardava majestoso, soltando baforadas de vapor como quem anuncia uma grande aventura.
A viagem de trem foi uma delícia para os sentidos. A paisagem se desenrolava como uma aquarela viva: canaviais, mata atlântica, e humildes casebres de barro e palha que pontuavam o caminho. A conversa e o riso encheram os vagões, enquanto o cheiro da terra molhada pela recente chuva misturava-se ao ar fresco da manhã.
Ao chegar à estação de Pombal, todos foram recebidos com a calorosa hospitalidade baiana. A Philarmônica 2 de Julho entoava acordes festivos que se espalhavam pelo ar, enquanto os visitantes desembarcavam. Ali, esperavam pacientemente os carros de bois, adornados com flores e fitas coloridas, prontos para o traslado final até Cruz das Almas.
Foi nesse trajeto que o pitoresco se revelou em sua plenitude. Entre risos e brincadeiras, os carros de bois começaram a se movimentar, puxados por animais robustos e acostumados ao trabalho.
Finalmente, chegaram ao centro da Cruz das Almas, onde a festa em honra à padroeira já se desenrolava em cores vibrantes e sons contagiantes. A missa, repleta de cantos e louvores, ressoava enquanto a comitiva de visitantes integrou-se à celebração com entusiasmo renovado.
A crônica desse passeio, publicada em “A ORDEM”, tornou-se uma lenda entre os habitantes, narrada e relembrada em prosa e verso. Em meio a essa viagem singular, os passeiantes celebraram não só a padroeira de Cruz das Almas, mas também a alegria de viver e compartilhar momentos únicos, numa Bahia que, à sua maneira, desde sempre sabe transformar o cotidiano em poesia e transformou-se numa ode ao pitoresco e à essência da Bahia.