A FÉ E TRADIÇÃO DE “RESPONSAR SANTO ANTÔNIO” EM CRUZ DAS ALMAS
Desde o dia 1º de junho teve-se início a Trezena de Santo Antônio, um período de orações e celebrações em homenagem ao santo que culmina no 13º dia do mesmo mês. Não sou devoto de Antônio, confesso, mas em Cruz das Almas, onde vim morar muito jovem ainda, lembro-me que essa época sempre foi marcada por uma mistura de devoção e festa. E isso chamou-me a atenção, sempre achei lindo. As festividades de Santo Antônio se entrelaçando com as festas juninas, que celebram os três santos do mês: Santo Antônio (13 de junho), São João Batista (24 de junho) e São Pedro (29 de junho).
Fiz a pesquisa: Santo Antônio é um dos santos mais queridos no Brasil e em Portugal, conhecido como pai dos pobres, santo casamenteiro e encontrador de objetos perdidos. Na primeira quinzena de junho, os fiéis dedicam suas orações e louvores a ele, esperando suas intercessões.
Lembro-me também de uma prática antiga em Cruz das Almas: “responsar Santo Antônio”. Fiquei muito curioso quando ouvi pela primeira vez essa expressão. Naquela época, parecia um mistério envolto em devoção. Era uma espécie de novena e que apenas poucas pessoas sabiam realizar. Aquelas que dominavam o ritual eram procuradas por outras que encomendavam a novena, na esperança de alcançar uma graça específica. Os motivos variavam, desde pedidos de cura para enfermidades até a restituição de bens perdidos ou roubados.
Havia uma senhora que responsava Santo Antônio e, como diz o ditado, era bater e valer: quando ela rezava e fazia o pedido ao Santo, em poucos dias o objeto perdido aparecia. Ela já é falecida, morava ali no centro, na Rua a Clodoaldo Gomes da Costa, a rua do Fórum, perto da casa da saudosa Dra. Lúcia Barcelos, a advogada.
A tal senhora rezadeira, era famosa por suas novenas, com sua figura franzina e o olhar sereno, sempre com um terço nas mãos. As pessoas a procuravam com frequência, especialmente durante a Trezena de Santo Antônio.
Certa vez, um jovem rapaz de nome Carlos bateu à sua porta. Ele havia perdido uma corrente de ouro, herança de seu falecido pai, e estava desesperado. Na verdade, ele estava desconfiado de que havia sido roubado. A senhora ouviu pacientemente sua história e concordou em rezar a novena. Disse-lhe que “o perdido seria encontrado e o roubado seria devolvido pelo aflito ladrão no mesmo lugar de onde tinha sido tirado”. Durante os dias que se seguiram, Carlos participou fervorosamente das orações. No décimo segundo dia, a corrente foi encontrada em um lugar inesperado: o fundo de uma gaveta que ele já havia revistado inúmeras vezes. Pois é. Se ela cobrava algum pagamento por isso e, se sim, quanto cobrava, não se sabe; faz parte do grande mistério.
Eu que, só recentemente, descobri que o correto era dizer “Responso a Santo Antônio”, que trata-se de uma prática antiga advinda da Idade Média e que chegou até nós através dos portugueses. Fiquei surpreso com minha ignorância de infância, mas a essência do mistério e da tradição permaneceu inalterada. O que importava não era o nome correto, mas observar crença profunda daquelas pessoas no poder intercessor de Santo Antônio e a solidariedade que unia a comunidade em torno de suas devoções.
A história da senhora rezadeira e do jovem agraciado é apenas uma entre tantas. Todos os anos, durante a Trezena de Santo Antônio, recordo-me dessas memórias com carinho. A fé, os rituais e as histórias compartilhadas mantêm viva a tradição e continuam a alimentar a esperança daqueles que ainda “responsam Santo Antônio”, ou melhor, rezam o Responso, em busca de suas graças.