CRUZ DAS ALMAS

REGISTRO DA ATIVIDADE TROPEIRA NO RECÔNCAVO DA BAHIA*.

*Importante salientar que, à época, o Recôncavo baiano era chamado de Sertão de Baixo.

No final do séc. XIX, quando os animais de montaria ainda eram os principais meios de locomoção pelos caminhos sertanejos , a manutenção de tropas muares configurou-se como uma importante atividade econômica […].

Entre partidas e retornos, observam-se anotações de despesas com “rancho 16 dias 8$000” em São Felix, o que faz presumir o quanto essas viagens eram longas e dispendiosas, sujeitas a acontecimentos e compromissos diversos. Os dias de hospedagem no Recôncavo eram indispensáveis para se obter as encomendas necessárias, executar os negócios sem maiores prejuízos e comprar os produtos encomendados, como os do “Sr. Hilarião do Riacho de Stª Anna 3$ pª comprar uma folhinha do Rio e o restante em charutos bons” . Também se observam os gastos com “com lavagem de roupa 3$500” , em São Felix, atividade certamente realizada pelas lavadeiras às margens do Rio Paraguaçu como alternativa de ganho propiciada pelo dinamismo da cidade. Essa pequena anotação traduz a amplitude das relações sociais e dos negócios existentes a partir das tropas sertanejas. Além dos gastos com as lavadeiras, registra-se o “Dinhº a 1 tocador 2$320” , evidência que ratifica os momentos de sociabilidades mantidos ao longo do caminho. Assim, por mais laborioso que fosse o percurso da tropa, haviam também os momentos de festividade e descontração propiciados/mantidos pelos tropeiros sertanejos.

Nas anotações do Sr. João Gonçalves Fraga, da castroalvense Família Faria Fraga, proprietária de uma grande tropa, evidencia-se o quão dinâmica foi essa atividade econômica, “40 mulas carregadas”, para “vender o carregamento e carregar novamente”.

Tomando como base as informações desse autor, é possível presumir que as tropas dos Faria Fraga transitavam com um carregamento de aproximadamente 240 arrobas, ou seja, 3.600kg. Nas idas e vindas objetiva-se “ganhar frete”, o que implica sobre os lucros auferidos pela família. Os diários pessoais, associados às cadernetas de anotações de credores e devedores dessa família possibilitaram a compreensão dos arranjos comerciais e das redes de sociabilidade tecidas entre os sertões e o Recôncavo baiano. Nesse sentido, vale ressaltar que:

A vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, último ponto navegável do Rio Paraguaçu, vai ser o maior entreposto do interior. Era ponto importante, pois ligava a produção do interior que não tinha rios navegáveis a capital pelo vapor que ia do Recôncavo a Cachoeira até chegar na baia de Todos os Santos. (PAES, 2001, p. 42)

Chegando em São Felix/ Cachoeira, “maior entreposto do interior”, a produção sertaneja seguia para Salvador, cidade portuária responsável pelo escoamento dessa produção no contexto do século XIX. Produtos diversos saíam do alto sertão baiano no lombo dos animais em direção a Capital da Província, passando pelo Recôncavo.

Graças às tropas foi possível a existência e a sobrevivência das cidades e vilas do Alto Sertão, oxigenando através dos caminhos e estradas, as relações socioeconômicas do interior. Acampamentos, simples pousadas, grupos vicinais, lugarejos, esquecidos, vilas e províncias foram pouco a pouco, se integrando e se desenvolvendo através dos circuitos comerciais de exportação e de circulação interna, tropas de burros permitiram que o fumo das terras altas do “Sertão de Baixo” chegasse até a capital.

Sendo, portanto, também “homens de negócios”, os tropeiros compravam, vendiam, encomendavam e transportavam os mais diversos produtos, abastecendo as casas comerciais das vilas e movimentando o circuito socioeconômico baiano.

(Fontes: Acervo Particular da Família Faria Fraga: Caderneta de João Gonçalves Fraga (1883 – 1889) Diário de João Gonçalves Fraga (1888 – 1933)

http://www.encontro2016.bahia.anpuh.org/resources/anais/49/1477655967_ARQUIVO_Artigotropeiros.pdf

https://ppgh.ufba.br/sites/ppgh.ufba.br/files/2001._paes_jurema_mascarenhas._tropas_e_tropeiros_na_primeira_metade_do_seculo_xix_no_alto_sertao_baiano.pdf )

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