DISCRIMINAÇÃO RACIAL EM FESTA DE MESTIÇOS
Os festejos carnavalescos da cidade, contrariando as expectativas geradas pela evolução do tempo, diminuíram drasticamente com o passar dos anos, chegando ao fim nos dias atuais. Naquela época desfilavam anualmente carros alegóricos, como o “PEIXE VOADOR” de Artur Martins e a família Menezes; a “CIGARRA” da família Maia, tendo em José Maia seu principal artífice; bem como as batucadas de Martim Tuite e de Leonel Bambá, nesta última, Tancredo de Cheleu se destacava como o “Mago da Cuíca”. Os bailes eram realizados em três locais distintos, criteriosamente distribuídos em função das condições econômicas e da projeção social dos participantes. Nos salões da Prefeitura Municipal, dançavam os ricos e principais autoridades com suas famílias; na sede da Euterpe Cruzalmense, dançavam os integrantes da classe média com as respectivas famílias e moças solteiras cuja virgindade não fosse duvidosa; nos salões da Lira Guarany, dançavam democraticamente todos, inclusive as empregadas domésticas. Naquele tempo ainda não existia o “pula pula”, sistema de folia em blocos circulando o salão. Cavalheiros e damas dançavam agarradinhos, seguindo o som ritmado da orquestra, de vez em quando um sussurro romântico no ouvido da parceira, era muito prazeroso e atraente. Bons e maravilhosos momentos que os anos não trazem mais, dos quais só restam gratas e belas recordações.
Em 1942 se realizou um dos melhores carnavais da cidade, com a participação de carros alegóricos, cordões, batucadas e a realização dos tradicionais bailes, Inclusive com exibição de fantasias nos três locais mencionados. Manoel Antonio da Conceição, conhecido popularmente pela alcunha de “CATIFITÉ”, filho primogênito de Maria Luiza Parteira, neto de escravo e genuíno representante da raça negra, condição comprovada pelas características anatômicas e epidérmicas originais de que era possuidor, competente alfaiate, profissão que lhe permitia razoável disponibilidade financeira. Vestia-se elegantemente e era exímio dançarino. No último dia do carnaval daquele ano, a conhecida “Terça-feira Gorda”, ocasião marcante de encerramento dos festejos do Rei Momo, trajou-se convenientemente da cabeça aos pés, conforme a indumentária usada naquela época e deslocou-se na hora aprazada para a sede da Euterpe onde estava se realizando a noitada de folia, cujo baile havia começado, porém nos salões ainda existiam espaços vagos. Tão logo chegou, dirigiu-se à Portaria para a aquisição da entrada no intuito de participar da festa, todavia, surpreendentemente, foi recebido pelos responsáveis do evento com gestos de descaso e rejeição, dizendo-lhe peremptoriamente que havia sido suspensa a venda de ingressos devido o excesso de participantes, justificativa usada como pretexto para excluí-lo da dança. Revoltado com aquele tratamento discriminatório e preconceituoso, arregaçou bruscamente as mangas do paletó e da camisa para expor a pele e apontando para o braço desnudo, verberou com veemência o seguinte desabafo: “ROUPA NOVA, GRAVATA NOVA, CHAPEU NOVO, SAPATOS NOVOS E DINHEIRO NO BOLSO. A DESGRAÇA É ESTA MALVADA TINTA”.
( FONTE: TEXTO DO PROF. LEANDRO COSTA PINTO DE ARAÚJO, via ALYRIO MENDES https://www.facebook.com/alyrio.mendes/posts/679819798731983; FOTO: CRUZ DAS ALMAS – FOTOS ANTIGAS https://www.facebook.com/groups/454314041343397/?fref=ts )